água

minha maior tatuagem é uma água viva. fluida, poética, um corpo que é basicamente só água e que é, na realidade, temporário.

a maior parte da vida o animal passa como pólipo, ou seja: fixo no fundo.

se algo muda no ambiente, surge a água viva.

pra explorar novos ambientes, encontrar casa melhor, espalhar.

espelhar.

minha identificação com ela aconteceu desde sempre.

fluindo no caos sem sentido da vida,

existindo simplesmente por existir,

existindo pela pura beleza de se estar.

Deus e Natureza

Pra mim, Natureza sempre teve N maiúsculo da mesma forma que Deus tem D maiúsculo. Não consigo desvincular uma coisa da outra. É Nela que eu encontro, percebo e sinto na minha vida a presença do que seria chamado de Deus. A presença divina já está presente em nosso cotidiano através dos fenômenos naturais; caminhar para este dito Deus é caminhar através de uma conexão e entendimento destes fenômenos não somente de forma intelectual mas, especialmente, moral. Deus se encontra nos detalhes: no desabrochar de uma flor, no palpitar do coração de uma criança, nas fases cíclicas do corpo feminino que sangra, na química do solo que nos alimenta, na variação intangível do dia e da noite e na necessidade de haver escuridão para haver luz. Deus é Natureza e Natureza é Deus, e Ela nos envolve e acolhe em todos os momentos. Caminhamos para a perfeição que nos rodeia todos os dias e, mais do que isso, perfeição ainda que nos faz humanos e faz parte de nossa essência material e espiritual também. Cuidar da Natureza é cuidar de Deus e, portanto, cuidar também de Nós.

sal

o mar me cativa, me consome, me atrai, me distrai, me encanta e me consola.

 

                                – se eu soubesse ao menos o por quê de tanta fascinação – ;

 

talvez seja o inconstante das ondas, o murmúrio alto, o poder imponente que não impõe, mas sim transmite.

 

que sabe ser leve quando convém, e também ser força quando se faz falta.

 

que habita e é habitado, abrigando seres que cantam, recolhem, apressam, estendem, pulsam, derivam e cuidam.

 

tanto pra nos ensinar…

 

saber ser mar é querer abrigar em si a sabedoria da real coexistência de todas as criaturas, as belas e as estranhas, que nossos olhos possam admirar. pra ser mar a gente tem que conversar muito consigo mesmo e com o outro, todo dia, pra ver como a alma de cada um está.

 

tanto pra nos ensinar… logo pra espécie sabe-tudo que quer tentá-lo afogar,  sufocado no plástico

                  (que também foi nosso jantar).

 

pra poder conservar,

primeiro precisamos aprender a conversar,

 

e daí sim a gente vai um dia quem sabe poder dizer que,

 

Finalmente,

 

a humanidade aprendeu (a)mar.

um poema imperdível

a riqueza tem gosto, cheiro e cor.

geralmente algo bem doce e de cor reluzente,

tipo as lojas de maquiagem de grife com sua iluminação característica,

as frases fortes e a batida das músicas que parecem ser sempre todas absolutamente iguais.

salas onde todos os produtos são iguais, inclusive aqueles que andam e respondem se vai ser no débito ou crédito, não precisa da minha via, obrigado.

entrar em um shopping center é ser arrastado e puxado por todos os lados.

é o rímel que te deixa irresistível,
é o sutiã que faz os homens caírem aos seus pés,
é a comida deliciosa sem a qual você não pode continuar vivendo.

todos os livros têm as grandes soluções para todas as crises humanas,

todas as roupas revestem e expressam perfeitamente o seu jeito de ser,

todas as mensagens espalhadas preenchem perfeitamente todo o seu vazio existencial e

é claro,

tudo isso pelo preço do salário da funcionária que te atende e pega 3 ônibus para chegar até você, com uma simpatia falsa e forçada que a obrigam exibir.

estamos todos travestidos por roupas, objetos, cores e cheiros não inatos,

não humanos,

disfarçados de animais mentirosos, enganados e com os olhos brilhando pela oferta imperdível.

im
per
dível.

queria muito conseguir entender o que é que não se pode perder ali.

imperdível,
bombástico,
incrível,
sedutor,
acumule,
lucre,
compre,
seja.

o consumismo consome almas e nos deixa vazios,

vagando sem rumo de olhos tapados em meio a corredores de objetos inúteis, relações fúteis e mentes dominadas

pelo mundo

do Capital.

das coisas não-ditas

a gente espera pelo ônibus e enquanto isso cada palavra sua entra e some, se esvai dentro de mim e vai permear as dentrices que me dão vida,
e na lembrança do tudo-ou-nada que você me propõe
a gente fica assim sozinho com a porta semi-aberta sem saber a hora certa de chegar ou quem sabe sequer se
a porta
ainda vai existir
(porque as portas estão todas em mim).
tuas coisas-não-ditas ressoam em mim como fogo
e te rebato
as palavras que eu ia te dizer me preenchem
e vazam em outros alguéns
(deus é longe e o marasmo que habita em mim te grita)
mas ah, meu bem, se fosse tudo assim que nem você prega ser,
as cidades, as ruas, as vielas, e as donas de casa inclusive
andando pra lá e pra cá fazendo compras de supermercado sem nenhuma emoção,
se o mundo soubesse ao menos botar um pouquinho de sens(ação)
quem sabe eu até não voltaria pra você
e te diria sim
(mas o mundo não é bem assim)
e no fundo ninguém sabe de nada,
a gente só dança
e nesse nosso rodopiar eterno,
uma memória se faz.
vamos marcar um ponto do espaço sideral e curvar o manto da
grav
idade
sob a luz de nossos corpos flácidos e com o tempo, meu amor
as rugas vem
mas nao o ônibus
(não existem paradas pro coração que ama)
e me preencho de tudo que você não disse,
tudo que não fez,
pra então me fazer florescer sozinha,
úmida por minhas próprias vísceras
e nada mais.

do anão que de pequeno não tem é nada

domingo é o dia que a semana escolhe pra ser silenciosa.

a cidade se emaranha em fios de ruas de novelos de dores e quando a gente se dá conta da existência desta complexidade toda,

dói.
e dói muito.

daí nessas horas vem morar no estômago da gente um anão verde que tapa a entrada da comida e fica brincando de pisar nas nossas vísceras.

uma a uma,
lentamente,

ele amassa nossos sonhos, utopias e devaneios.

e isso que ele faz não tem perdão porque balança, vai de um lado pro outro e não cessa.

cabe apenas à gente conseguir entender quê diabos esse anão veio fazer aqui e conseguir pegar ele com a mão (com cuidado, que o mais frágil é o que menos quebra) pra por de volta pro vento.

eu temo tudo aquilo que não sou e alterno por entre meio de minhas raízes brincando com meus diferentes estares.

as almas não envelhecem e o amor é a curiosidade pelo mundo do outro: são essas as duas únicas conclusões que eu consigo tirar disso tudo.

eu não sei de onde isso vem mas sei que está sempre lá,

perdido nos olhares das pessoas com quem cruzamos na rua, tão perdidas e tão à deriva como nós.

estamos à deriva,

sendo levados de um lado pro outro sabe-se-lá-pra-onde.

e não tem muito o que fazer, a não ser tentar aproveitar a viagem.

‘‘e aceitava o mistério de, com horror, amar ao Deus desconhecido’’.

a frase é da Clarice mas o pulsar é de todos nós

void fillers and mind gapers

o amor nasce nos domingos à tarde no meio dum som de violão misturado com hormônio da noite passada quando o cheiro da pessoa ainda tá meio que na gente e, de todas as coisas que nos transbordam nessa vida, as melhores são as que vem sem avisar. o amor é dessas, mal arromba a porta e já vai invadindo da aorta até cada veia que chega no pé e vem mudando, bagunçando cada ideia e ideal que carregamos dentro do peito e o mais estranho dessa coisa toda é pensar que se algum fato totalmente aleatório tivesse acontecido de maneira levemente diferente no curso da história de um dos universos em que nós estávamos juntos então teriam existido experiências amorosas muito diferentes de alguma maneira que jamais iremos conseguir entender visto que tudo que nos toca é o que chamamos e conseguimos compreender como realidade e nossa, que bom que não chegamos nem perto de entender e ver a beleza da singularidade de cada uma dessas cópias de carbono de nós que jamais deixaram de existir e principalmente daquelas cópias que existem em planos multidimensionais tão insignificantemente relevantes quanto a nossa própria existência no agora. te encontro em todos os olhares com que cruzo na rua e cê tem a forma não-inominável das palavras por mim jamais ditas mas sempre rotineiramente pensadas, consigo saber inclusive o modo como cê se moveria no quarto à meia-luz se naquela quarta eu não tivesse faltado do espanhol e então te encontraria sem querer no mercado cheio do teu jeito risonho e risível e com isso tudo chego à conclusão de que você na verdade sou eu, e desse jeito assim eu te cultuo semeando na verdade a ideia desse verão florido eterno dentro de mim que às vezes nasce ironicamente nas tardes calmas de domingos no inverno pra preencher a versão mais bonita da minha contribuição pro vazio do universo que de bonito só se for mesmo o peito cheio e divagante de amor.

lou-curar-te

parei o olhar do nada porque percebi na minha mente o pensamento de que não sei o que fazer de mim.

 

tem dia que a gente tem que saber dar um tempo pra tempestade interna conseguir chover,

 

sem arte

a gente se desfarte

no meio da loucura

de toda uma multidão de normalidade,

 

de formigas que se esbarram sem se ver escondendo no peito-que-não-existe toda a sinceridade por onde a mente passeia.

 

qual o problema tão grande assim da sinceridade?

 

eu quero dizer aos quatro ventos grandes insights tão aleatórios quanto a própria existência, coisas tipo amor é movimento e mais que fluido o sentimento é algo que se incorpora e se é e as memórias são lugares pronde a alma já foi mas que o corpo não sabe direito e as pessoas por quem nos apaixonamos vêm e bagunçam dentro de nós e saem andando por aí como se nada tivesse acontecido deixando uma crença no peito que dói mas é bom e sexo é o cúmulo do estar aqui-agora,

 

e já sem ar digo ainda mais: reparou que vivemos numa sociedade de racionamento de sorrisos, cê já reparou?

 

andamos na rua e as caras são tão fechadas quanto os corpos,

 

herméticos,

 

e deve ser por isso que chamamos o (con)junto de gentes de ”nós” –

 

quando o outro vem e bagunça os emaranhados dentro da carne do tórax se forma algum tipo de amarre de leve,

 

nós,

 

que me tiram o sono e me fazem lembrar que eu

 

pertenço a instantes

e não pessoas

 

e que se a arte da sinceridade é loucura

eu prefiro é continuar insana mesmo.

das que correm com os lobos

fui dormir cordeira e acordei loba.

gaia me chamou pelo útero, saindo do meu ventre e subindo pela vibração que vem da terra.

passei pelo olho do furacão e vi a deusa grande, uníssona, sorrindo pra mim.

ela veio pra me dizer que a terra chama meu ventre pra uivar com minhas irmãs nas noites de lua cheia.

precisamos fortalecer nossa alcateia porque as ameaças vêm de todos os cantos:

há séculos roubam, estupram, arrancam, estraçalham e vendem nossos corpos.

querem nossa carne, mente, nossa pele pendurada numa parede, que

o olho do lobo arranca com força, pedaço por pedaço.

suas patas machucam a história da fecundidade humana,

e se não fosse o bastante ainda apagam nossas pegadas no chão.

lobo-de-cadeia-solitária consegue nos confundir e fazer crer no que não é pra errarmos o caminho de casa.

desde filhotes crescemos acostumadas a ouvir latirem e rosnarem no nosso caminho e nos calamos,

no alto-gritar da noite.

estamos sempre observando todos os lobos que nos caçam e nos veem como um pedaço de carne ambulante,

e desse jeito adultamos aprendendo a cuidar dos próprios pelos, das patas, do próprio modo como andamos e corremos pela mata afora.

aprendemos a uivar juntas e de matilha a gente brinca com o mate-a-ilha.

reconhecemos de longe o cheiro de carniça e comendo a carne podre digerimos lentamente o ódio acumulado de todas as luas em que não pudemos uivar,

livres como nossa própria natureza clama ser.

olho no espelho e minhas marcas no colorido do olho refletem cada coisa pela qual já vi passar cada uma do bando.

não tem como ser loba sem deixar de ser só uma.

éramos cordeiras que juntas eram caçadas,

mas hoje eu senti uma vibração e nela uma voz transcendental mandou os lobos correrem de volta pras tocas.

algo aconteceu e nosso sangue que escorre de lembrança ancestral não será mais derramado em vão.

que saibamos revelar nossos instintos, botar as garras pra fora com essa força única geradora que vem da terra e nos põe a correr,

todas nós.

porque a partir de agora a nossa matilha não mais foge,

mas

sim

caça.

ANCESTRAL

nada que os olhos veem realmente existe.

somos projeções cósmicas em realidades transcendentais e achamos estarmos presos nas caixinhas do corpo,

sendo que quem limita na verdade não é a carne, mas sim o olhar.

a certeza vem direto do Olho-que-tudo-vê e,

mesmo sem verdade, a gente enxerga e pior ainda que isso,

ainda que com suspiro,

estamos sempre sendo observados.

o universo é tudo-menos-uni e estamos conectados por redes de galácticas e cósmicas energias que ligam tudo a todos sem conseguir se saber o por quê.

Não

tem

por quê.

Existimos dentro da mente de uma Deusa e de lá ressoamos em contato com outras civilizações.

daí que os olhos enganam achando que cada encaixe não é nada além de holograma fundido em massa.

os pensamentos sao um turbilhão assim como o barulho das águas passando por dentre as pedras num rio, estando no meio delas fica mais fácil pensar porque o som abafa o som do dentro, sempre a lapidar as coisas brutas quase-que-inatas que existem em nós.

é só sentar na pedra pra então ver a raposa correndo contra a sua direção,

a mente como um canal para outras concretudes abstralizadas que desconhecemos.

eu olho a pedra e ela parece existir.
eu toco a pedra e ela passa a existir.
eu fecho os olhos e imagino a pedra, e eis que só então ela passa realmente a ser de fato, na sua existência de estar,

bem longe daquilo que meu olho ilude ver pra fugir dela, tão temida:

a morte.
ressoa em mim, tão forte.

morte,

que nada passa de um alívio não-consentido de todos nossos afazeres diários.

acabam as contas, as preocupações, as gaiolas onde o coração chora.

o vento vem dizer isso todos os dias e só resta sabermos lembrar sempre que

a natureza é um contato extremo com o dentro da gente –

o lugar de onde viemos,
pra onde vamos e de onde,
na verdade,
jamais saímos.